sábado, 24 de outubro de 2020

As relações entre Magistério e Teologia a partir do Concílio Vaticano II - Parte I


Os Padres Elílio Júnior (à esquerda) e Álvaro Calderón.

Leonardo Brum 

[Nota prévia: o presente texto não tem a intenção de promover qualquer espécie de campanha difamatória contra o Pe. Elílio Júnior. A exposição da breve discussão que houve entre nós está sendo feita com sua autorização.]

Em postagem feita no dia de ontem (23/10/2020), no Facebook, o Pe. Elílio Júnior faz as seguintes considerações:

"Evidentemente, há mudanças em certos pareceres do Magistério da Igreja. Há matérias, sobre as quais o Magistério dá seu parecer, que não estão vinculadas necessariamente com a fé. É claro também que o parecer do Magistério deve ser ouvido e acatado nestes casos, a não ser que haja motivos graves em contrário. O Magistério não tira o seu parecer de detrás das orelhas.

Veja-se um ponto em que o parecer do Magistério caducou:

- Em 1906 a Pontifícia Comissão Bíblica emanou um decreto reafirmando a autoria mosaica do Pentateuco.

Ora, depois de anos de estudos, os teólogos católicos viram que não há como Moisés ter sido o autor direto do Pentateuco. Hoje, ensina-se em qualquer Universidade Pontificia que o Pentateuco tem origens diversas e complexas."

Diante do exposto, fiz o seguinte questionamento:

— Como dizer que há mudanças no parecer do Magistério, quando não há posições magisteriais retificadoras (nem mesmo dos órgãos subsidiários como as Comissões Pontifícias), mas tão-somente uma espécie de práxis teológica? O falecido D. Henrique, por exemplo, dizia que para que se confirmar que o poligenismo era questão aberta, ao contrário do que indicava a Encíclica Humani Generis, bastava "perguntar a qualquer teólogo". Ora, o Magistério é a regra da teologia, ou o contrário é que se dá?

Ao que o padre respondeu:

— A teologia tem atualmente bastante liberdade para pesquisar e levantar hipóteses e teses. O Magistério não é o que conduz a teologia, mas é o seu moderador revestido de autoridade.

Insisti, então, a fim de ter maiores esclarecimentos:

— Bem, então convenhamos que, ao menos nesses casos, não foi o parecer do Magistério que mudou, mas antes a concepção da própria relação entre Magistério e teologia que o seu 'atualmente' sugere.

Tive, finalmente, a confirmação do padre:

— Mudou, sim, em relação a uma curta tradição.

Pois bem, esse modo de encarar as relações entre Magistério e teologia, segundo o qual "O Magistério não é o que conduz a teologia, mas é o seu moderador revestido de autoridade" é descrito em termos similares pelo Pe. Calderón em sua obra A Candeia Debaixo do Alqueire:

"Para o católico tradicional, o Magistério é para os fiéis como o professor para as crianças: tem um ofício eminente ordenado a ensinar com certeza. Para o liberal, em contrapartida, o Magistério é para a comunidade eclesial como o moderador para um grupo de debate, o qual dirige o diálogo e destaca os acordos: tem um ofício dependente ordenado a unificar pareceres." (Pe. Álvaro Calderón, A Candeia Debaixo do Alqueire, Sétimo Selo, 2009, p. 61)

A primeira coisa que convém estabelecer é que as considerações do Pe. Elílio demonstram que a mentalidade descrita pelo Pe. Calderón efetivamente existe e está presente na atual formação de boa parte dos sacerdotes. Não se trata, da parte deste último, do fruto de leituras enviesadas ou de saltos lógicos dos quais ele é comumente acusado por seus críticos. Esta nova concepção a respeito do papel do Magistério é retomada em outras partes de sua obra, onde se explicam as repercussões de tal concepção no que diz respeito às relações entre Magistério e teologia. As inserções entre colchetes são minhas:

"Sua função [a do Magistério] assimila-se então à dos diretores de uma universidade católica, que possuem a primazia da autoridade, mas não necessariamente a primazia da ciência, própria dos melhores catedráticos; os diretores poderão definir a posição oficial da universidade em problemas científicos, mas só poderão fazê-lo depois de consultar o que dizem seus cientistas. No âmbito de uma faculdade de teologia, é legítimo e proveitoso o diálogo mesmo com não-católicos, assim como São Jerônimo dialogou com os rabinos e Santo Tomas não desprezou o aprender com os árabes aristotélicos, porque em teologia não se julga somente à luz da fé, mas também da razão. Mas é grave, gravíssimo, que a Hierarquia desconheça que a luz que a ilumina não é fé nem razão, mas a própria ciência divina, e ponha a Cátedra de Jesus Cristo em diálogo com qualquer sofista." (Op. cit., pp. 128-129)

Ou ainda:

"[A partir do Concílio Vaticano II] O diálogo da Hierarquia com o teólogo, entenda-se bem, não é a maiêutica socrática, pela qual o mestre conduz o discípulo a conceber a verdade [ou, nas palavras do Pe. Elílio, 'O Magistério não é o que conduz a teologia']. Muito pelo contrário, é como o diálogo do pai do doente com o grupo de especialistas. Os que sabem são os teólogos [tais como os poligenistas contra Pio XII, para D. Henrique], e não se pode fazer nada enquanto não chegarem a um acordo." (Op. cit., p. 123)

Uma vez estabelecido o fato da instauração, nos ambientes eclesiásticos, dessa nova concepção acerca das relações entre Magistério e teologia, proponho-me a explicar num texto futuro,  as causas e consequências de tal mentalidade, também a partir da descrição feita pelo Pe. Calderón em A Candeia Debaixo do Alqueire. A exposição que advirá não tem a pretensão de atribuir todas as teses criticadas ao Pe. Elílio e, por suas limitações, não substitui a leitura do livro que toma como referência.

Até lá!






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