terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

Do livre exame olavosférico do Magistério

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Gravura retratando o  Concílio Vaticano I.


Leonardo Brum


Tornou-se popular no orbe olavosférico a ideia de que os tradicionalistas, ao denunciar os graves erros doutrinais do mestre desse mundo de fantasias, estariam fazendo "livre exame do Magistério Eclesiástico". Porém, o que se constata é que tal prática é antes típica dos próprios asseclas de Olavo. Por exemplo, Pedro Luiz Casprov alega que o anátema do Concílio Vaticano I segundo o qual "Se alguém disser que o Deus uno e verdadeiro, Criador e Senhor nosso, não pode ser conhecido com certeza pela luz natural da razão humana, por meio das coisas criadas – seja excomungado" não fulmina o excerto abaixo do texto "O Deus dos palpiteiros", de Olavo de Carvalho:

"Longe de poder ser investigado como objeto do mundo exterior, Deus também é definido na Bíblia como uma pessoa, e como uma pessoa sui generis que mantém um diálogo íntimo e secreto com cada ser humano e lhe indica um caminho interior para conhecê-La. Só se você procurar indícios dessa pessoa no íntimo da sua alma e não os encontrar de maneira alguma, mesmo seguindo precisamente as indicações dadas na definição, será lícito você declarar que Deus não existe."

Advertido por mim de que o Magistério trata de uma via exterior até Deus, ao contrário de Olavo, que propõe um caminho exclusivamente interior, Pedro continuou a insistir que a  proposta de Olavo se coaduna com a do Concílio, pois ambas falariam de conhecimento de Deus por meio das coisas criadas. Pedro defendeu tal tese ao fazer as seguintes indagações:

"E você não é uma das coisas criadas? E o seu Eu autoconsciente não se relaciona com a criação na medida em que interage com ela?"

Como diria Jackson de Figueiredo, parece incrível!

O tomista Garrigou-Lagrange em seu livro "Dios: Su Existencia" se propõe a explicar os termos empregados pelo Concílio Vaticano I por meio de outro documento do Magistério: o Juramento Antimodernista, prescrito pelo Motu Proprio "Sacrorum Antistitum". Nele, a primeira tese a ser jurada é a seguinte:

"Antes de mais nada eu professo que Deus, a origem e fim de todas as coisas, pode ser conhecido com certeza pela luz natural da razão a partir do mundo criado (Cf. Rom. 1,20), ou seja, dos trabalhos visíveis da Criação, como uma causa a partir de seus efeitos, e que, portanto, Sua existência também pode ser demonstrada."

Enquanto o Concílio diz apenas que se conhece a Deus "por meio das coisas criadas", o juramento apresenta uma formulação mais extensa, citando São Paulo, onde se explica que tal coisa se dá "a partir do mundo criado, ou seja, dos trabalhos visíveis da Criação". O termo "visíveis", segundo Garrigou-Lagrange, não acrescenta nada de novo à definição conciliar, apenas reforça o sentido natural dos termos empregados na mesma definição, que não seria conservado "excluindo as coisas sensíveis e dizendo que não há mais provas certas da existência de Deus que aquelas que têm seu ponto de partida na vida intelectual e moral do espírito"(p. 35). 

Disso decorre que Pedro não conserva o sentido natural do que diz o Magistério, uma vez que pretende partir da vida intelectual do espírito, que ele designa por "Eu autoconsciente", mas tenta conciliar tal coisa com o ensinamento da Igreja sob o pretexto de que a vida intelectual se dá numa coisa criada. Ademais, Pedro não conserva nem mesmo o sentido natural das palavras do próprio Olavo, pois este não trata da relação entre o "Eu autoconsciente" e a criação "na medida em que interage com ela", mas antes de um caminho interior pelo qual se descobre a Deus no íntimo da alma. Parece ser ou um caso raro de "analfabetismo funcional" voluntário e sob demanda, ordenado a fazer uma defesa incondicional e vergonhosa de Olavo, ou um sintoma daquilo que S. Pio X prevê em seu Motu Proprio Doctoris Angelici (destaques meus):

"Os pontos mais importantes da filosofia de Santo Tomás, não devem ser considerados como algo opinável, que se possa discutir, senão que são como os fundamentos nos quais se assenta toda a ciência do natural e do divino. Se forem rechaçados estes fundamentos ou se forem pervertidos, se seguirá necessariamente que aqueles que estudam as ciências sagradas nem sequer poderão captar o significado daquelas palavras que o magistério da Igreja expõe os dogmas revelados por Deus."

Em verdade, quando Olavo diz que "se você procurar indícios dessa pessoa [Deus] no íntimo da sua alma e não os encontrar de maneira alguma, mesmo seguindo precisamente as indicações dadas na definição, será lícito você declarar que Deus não existe", o que ele propõe é o velho imanentismo modernista, condenado pela Igreja como contrário à Doutrina Católica "sob o aspecto em que pretende que Deus não pode ser atingido senão pela experiência íntima, e não poderia ser demonstrado por argumentos externos", como diz outro tomista, o Pe. Edouard Hugon, na obra "Os princípios da filosofia de Santo Tomás de Aquino" (p. 190, destaques meus). Em todo caso, o caráter modernista da teodiceia olavosférica é um assunto a ser abordado em maiores detalhes noutra oportunidade.

Até lá!

Um comentário:

Anônimo disse...
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