segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

A verdadeira causa dos triunfos do islamismo


Maomé recitando o Alcorão em Meca (gravura do século XV).

Dom Próspero GUÉRANGER, O.S.B.

O islamismo e suas conquistas vêm, desde o século VII, reivindicar a atenção do historiador, e um tal assunto oferece copiosa fonte de considerações fecundas. O escritor naturalista narra os fatos; ele arrasta seu leitor nos passos desses conquistadores que o deserto vomitou de repente. Nos relatos deles, vemo-los espalhar-se como um dilúvio, e sem que dique algum os detenha, por diversas províncias do império do Oriente.

Donde vêm eles? Qual a lei providencial que os conduz e lhes assinala um limite que não devem ultrapassar? Essas perguntas, o historiador naturalista não as faz a si próprio; como ele poderia dar a solução delas ao seu leitor? O historiador cristão, pelo contrário, que sabe que tudo neste mundo é dirigido conforme o plano sobrenatural, cuida de não deixar passar um fato tão imenso sem tê-lo submetido às investigações da sua fé. Instruído na escola das Sagradas Escrituras, ele sabe que a escravização dos povos sob o jugo de ferro da conquista é, simultaneamente, um castigo do Céu pelas prevaricações de um povo, e um exemplo terrível dado às outras nações. É bem o mínimo, com efeito, que um cristão compreenda o que compreendeu um bárbaro, uma espécie de selvagem, Átila, numa palavra, que se definia a si mesmo como flagelo de um Deus que ele nem sequer conhecia.

Assim, não duvidemos disto: o islamismo não é, em absoluto, simplesmente uma revolução de árabes que se enfadam sob as tendas, e aos quais um líder hábil imprimiu uma sobre-excitação que os impele de imediato à conquista das cidades mais luxuosas do Oriente. Não; mas Deus permitiu que prevalecesse por um tempo o antigo inimigo do homem, e lhe permitiu escolher um órgão com cujo auxílio ele seduzirá os povos, ao mesmo tempo que os subjugará pela espada. Daí Maomé, o homem de Satanás, e o Corão, seu evangelho. Ora, qual o crime que fez assim transbordar a justiça de Deus, e levou-a a abandonar esses povos a uma escravidão da qual não se antevê ainda o fim? A heresia é esse crime odioso, que torna inútil a vinda do Filho de Deus a este mundo, que protesta contra o Verbo de Deus, que espezinha o ensinamento infalível da Igreja. Cumpre que esse crime seja punido e que as nações cristãs aprendam que um povo não se ergue contra a palavra revelada sem se expor a ver castigada, mesmo já neste mundo, a sua audácia e ingratidão.

Assim sucumbem tanto Alexandria, segunda sé de Pedro, quanto Antioquia, onde ele primeiro se assentara, e Jerusalém, que guarda o sepulcro glorioso. Nessas famosas cidades, há ainda de fato um povo que foi visto ora ortodoxo, ora herético, ao bel-prazer de seus patriarcas; a escravidão desencadeada pelas blasfêmias desta outra população mais numerosa que segue os dogmas ímpios de Nestório e de Êutiques vem encobrir esses restos católicos de uma Igreja outrora tão pujante, como as águas do dilúvio engoliram os pecadores arrependidos com a multidão dos perversos que Deus havia resolvido perder, como a peste, quando Deus a lança sobre um país, ceifa ao mesmo tempo os amigos de Deus e seus inimigos.

A maré detém-se diante de Constantinopla e não inunda ainda as regiões que dela se avizinham. O império do Oriente, que logo se tornou o Império grego, é posto em condições de tirar proveito da lição. Se Bizâncio tivesse velado pela fé, Omar não teria visitado nem Alexandria, nem Antioquia, nem Jerusalém. Um adiamento foi concedido; ele será de oito séculos; mas, quando Bizâncio tiver preenchido a medida, o crescente vingador reaparecerá. Não será mais o sarraceno, ele foi esgotado; mas o turco, e Santa Sofia verá caiarem suas imagens cristãs e pendurarem sobre elas as sentenças do Corão, porque ela se tornou o santuário do cisma e da heresia. Mas voltaremos a tratar de Bizâncio.

À época que estudamos, o sarraceno, depois de ter escravizado as três cidades santas, precipita-se até a Armênia, cujo povo adotou o erro monofisita; ele se lança ao litoral da África, manchado pelo arianismo, e de um salto chega à Espanha. Ele sairá de lá à força, pois a heresia ali não mais está: será apenas questão de tempo. Quanto à sua audácia de penetrar até ao solo francês, ele a expiará duramente nos campos do Poitou. O Islão se enganou; onde a heresia não reina, não há lugar para ele. Como paga dessa proeza, ele receberá na península mais de uma visita de Carlos Magno, sempre ortodoxo e sempre conquistador, que, como cavaleiro de Cristo, virá em auxílio de seus irmãos da Espanha.

Detenhamo-nos aqui, após haver reverenciado a justiça de Deus quanto à heresia e reconhecido a verdadeira causa dos triunfos do islamismo, e a única razão da permissão divina à qual deve ele o fato de ter existido, de não ter sido uma seita obscura e efêmera no fundo da Arábia.

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Dom GUÉRANGER, A verdadeira causa dos triunfos do islamismo, 1858, trad. br. por F. Coelho, São Paulo, out. 2012, publicado originalmente no blogue Acies Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-1xM

Fonte:
Dom GUÉRANGER, Jésus-Christ Roi de l’Histoire, Collection Sens de l’Histoire,Association Saint Jérôme, 2005, pp. 95-97.

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